SERES URBANOS

Seres Urbanos foi um grupo de artistas underground de Fortaleza que editava zines e produzia eventos (festa, shows e exposições). Formado por Weaver, Marcílio, Elvis, Lupin, Kaos (in memoriam), Galba e Mychel, o grupo existiu de 1991 a 1998, com espírito criativo e movido pela inquietação e o desejo anarquista de transgressão. Seguindo o "Faça Você Mesmo" do movimento punk, tornou-se um nome de referência da cena da cultura underground cearense, ao mesmo tempo em que colocou o estado do Ceará em evidência, no circuito independente nacional, como um dos principais polos de produção de zines do país. O grupo produziu dezenas de zines, impresso em xerox, que eram vendidos de mão em mão em eventos, lojas e pelo correio. Em 1997, PUB, um dos zines do grupo, virou uma coluna semanal no Jornal O Povo (Fortaleza-CE) sobre o Do It Yourself.

 


 

  • Capa do livro Seres Urbanos 1/14
  • Páginas do livro Seres Urbanos 2/14
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Em 2015, um projeto contemplado no Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará viabilizou a publicação de um livro resgatando parte da produção de história em quadrinhos do grupo. O livro, intitulado Seres Urbanos (1991-1998) - Antologia do Quadrinho Underground Cearense, foi eleito melhor publicação de HQ do ano no Prêmio Miolo(s), da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. O livro traz também uma entrevista histórica com os integrantes do Seres Urbanos narrando fatos dos sete anos em que estiveram na ativa.



Por ocasião do lançamento do livro foi realizada a exposição SERES URBANOS fanzines 90's no centro cultural Sobrado Dr. José Lourenço, em Fortaleza-CE. A mostra exibiu trabalhos de artes gráficas produzidos nos anos 90 pelo grupo, passando pela Arte Xerox, Arte Postal e também colagens novas produzidas com fragmentos de zines.

 



 

SERES URBANOS
Blog Escarro Napalm, de Adelvan Kenobi
05 jun 2015


Temos assistido, nos últimos anos, a um precioso resgate da produção alternativa da década de noventa do século passado, com o relançamento, agora em edições mais caprichadas, de trabalhos de gente como Alberto Monteiro, Joacy Jamys, Henry Jaepelt e Law Tissot. Todos publicados, originalmente, em fanzines xerocados e distribuídos de mão em mão ou via correios.

Estes "fanzineiros" eram, na sua maioria, artistas "solo", encarando de forma solitária a tarefa de produzir, reproduzir e distribuir suas publicações para o Brasil e o mundo. Haviam, no entanto, os que preferiam se unir em grupos, muito antes do termo "coletivo" entrar - e sair - da moda. No nordeste brasileiro destacavam-se dois, ambos dedicados, principalmente, à produção de Histórias em quadrinhos: o "Grupo de risco", do Maranhão, que editava a revista "Singularplural", e os "Seres Urbanos", de Fortaleza, Ceará, que colocaram na praça, entre os anos de 1991 e 1998, uma série de publicações antológicas, em edições caprichadas, muito acima do padrão vigente.

Uma boa parte desta produção está agora compilada no livro que leva o nome do grupo e que foi lançado com o apoio da Secretaria Estadual da Cultura do Governo do Ceará. São 100 páginas de quadrinhos existencialistas impressos de forma impecável em papel de primeira qualidade, apresentando uma produção com uma impressionante diversidade de estilos, além da diagramação e experimentação gráfica primorosa e ousada - numa das páginas, por exemplo, um personagem de quadrinhos é esfaqueado pela perna de um balão de diálogo! Noutra, vemos o resultado de um projeto de arte postal coletiva em que Lupin, um dos "Seres" - que na verdade já produzia antes mesmo da criação do grupo - enviou cópias de uma imagem aleatoriamente para várias partes do mundo solicitando que quem as recebesse enviasse de volta com algum tipo de intervenção. Trabalho de gente extremamente talentosa, que merece muito este resgate ...

O espanto começa pela capa, com um belíssimo desenho de Weaver, e prossegue à medida que vamos avançando nas páginas e mergulhando no universo dos caras, repleto de reflexões e angustias que mesclam de forma perfeita o quotidiano das pessoas mais comuns com o dos "outsiders", dos "rockers" ao típico cidadão trabalhador, do "underground" ao senhor que se ressente da falta da esposa que preferiu ficar em casa assistindo televisão a acompanha-lo numa trivial ida ao centro da cidade para levar um relógio para consertar. Das tiras tirando sarro do jeito cearense de ser aos tipinhos presentes nas festinhas do submundo, sempre com textos afiados e cheios de grandes sacadas. Angustia e bom humor de mãos dadas. Celebração e decepção, lado a lado.

É o que vemos, também, na grande "autoentrevista" reproduzida no final, onde os caras passam a limpo sua trajetória e explicam - ou não - suas motivações e as circunstancias que fizeram com que as coisas tivessem acontecido da forma que acontecerem - a qualidade das cópias, por exemplo, se explica pela oportunidade oferecida por uma copiadora, que cedeu uma sala para o grupo em troca de parte de sua força de trabalho. Nada "de graça", portanto. Nada "de mão beijada": o que conseguiram, foi porque foram atrás - até porque não tinha ninguém nascido em berço de ouro ali, eram todos oriundos da periferia da cidade, que crescia - e cresce! - verticalmente e vertiginosamente.

Para o que não conseguiram, paciência. Ou um grande "foda-se" - com a consciência de que parte dos motivos foi sua própria falta de noção, como da vez em que tentaram vender para uma campanha antidrogas uma "cartilha" totalmente politicamente incorreta que se chamava LSD - Leitura Sobre Drogas. A outra parte vai pra conta da dificuldade natural que uma empreitada desse porte encontra numa cidade "solar", centrada na indústria do turismo, que tende sempre a dourar a pílula da realidade e fechar os olhos para a diversidade cultural, punindo com o ostracismo aqueles que teimam em ir além do sonho tropical.

 


 

QUADRINHOS UNDERGROUND COM SOTAQUE NORDESTINO E ROCK'N'ROLL
Site Outras Palavras | Coluna Outros Traços
Por Gabriela Leite, com contribuições de João Rabello
04 dez 2015


Coletânea de autores cearenses do final do século XX retrata pessimismo da época, em linguagem rica e desconcertante
Por Gabriela Leite, com contribuições de João Rabello

Os anos 90 foram sombrios sob o sol quente do Ceará. Pelo menos é assim que mostra a coletânea Seres Urbanos, antologia de quadrinhos lançada esse ano, com trabalhos de 1991 a 1998, organizada por eles mesmos. O livro, que conta com uma auto-entrevista de 2014 com os autores, foi vencedor do Prêmio Miolo(s) de Publicações Independentes. Weaver, Marcílio, Elvis, Lupin, Kaos, Galba e Mychel formavam um importante grupo de artistas da época, em Fortaleza, que publicava seus próprios quadrinhos underground em zines feitas em Xerox preto e branco. Isso em uma época na qual a produção era praticamente toda manual, a impressão não era tão fácil e a distribuição menos ainda. Os garotos publicavam seus próprios zines e vendiam a preço de custo. Mesmo assim, influenciaram sua geração, em ressonância com a cena alternativa em outros estados.

"Eu lembro que um dia o Kaos chegou pirado lá em casa - Cara, eu preciso falar contigo, Tá vendo isso aqui? Isso aqui não é nada! Eu posso rasgar porque eu posso imprimir mil cópias disso e?" conta Galba, sobre quando os integrantes do grupo começaram a ter contato com a máquina de fazer fotocópia. Parece absurdo hoje, que estamos tão imersos na cultura digital e a reprodutibilidade é algo completamente comum. Mas na época era uma maneira acessível e contestadora de se expressar e fazer um contraponto ao meio de comunicação de massa principal: a televisão, criticada em muitas tiras do Seres Urbanos.

Mas a possível empolgação com a produção facilitada não se reflete nos temas dos quadrinhos. Muito ligados à cena rock'n'roll da época, os quadrinistas criavam personagens pessimistas e egocêntricos, desesperançosos, prepotentes, imersos em um mundo dominado pela TV, com vistas a um futuro eletrônico e frio. Em uma interessante mistura de figuras populares com a juventude roqueira e radical chic cearense, gírias em inglês se intercalam com sotaque nordestino.

Críticas severas ao governo, à pobreza e ao status quo, com uma pegada existencialista e niilista, dão o tom a Seres Urbanos. Mas a multiplicidade de temas e estilos artísticos é o que deixa o livro mais interessante: Jesus em forma de privada, dois garotos punks que odeiam tudo ao seu redor e não querem se adequar ao modo de vida capitalista, uma banda poser de grunge, duas mulheres que conversam enquanto caminham pelas ruas quentes fortalezences, um homem atropelado que observa o movimento ao seu redor, jovens alternativos e egocêntricos em uma festa badalada, cartuns inspirados em poesia - esses são apenas alguns dos quadrinhos que estão em Seres Urbanos.

Cada quadrinista tem seu traço, do mais sujo, passando pelo mais cartunesco ao mais realista. Algumas histórias são mais longas, outras são tiras curtas, mas que continuam ao longo do livro. Há frequentemente referências a ícones da cultura alternativa da época, como David Lynch, Sonic Youth, Joy Division, e também são citados autores como Bertold Brecht, Fernando Pessoa e Balzac.

É muito interessante a maneira com que Seres Urbanos marca o pensamento jovem e irreverente de uma época, mas ao mesmo tempo tem quadrinhos muito atuais. O contato com criações com mais de vinte anos, que vieram de um local distante do eixo Rio-São Paulo, é muito enriquecedor - e também ajuda a quebrar preconceitos. A antologia é essencial para quem deseja compreender a rica trajetória dos quadrinhos brasileiros.

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